quarta-feira, 8 de junho de 2011

bengalas afetivas

tem gente que prefere viver no campo das idéias. não entendo isso muito bem. quer dizer, acho que entendo sim: assim é mais fácil se manter intacto, à parte dos contratempos dos relacionamentos (sejam eles quais forem). mais fácil manipular protótipos de pessoas platônicas e inatingíveis, do que as deveras reais. porque quando você lida com gente de carne e osso, você está sujeito a ser tocado, a sentir e ser sentido, a ser ou não ser querido. e isso dá medo! sua cumplicidade e capacidade de trocar com outras pessoas são testadas e você passa a ter a oportunidade de aprender: às vezes dividir e compartilhar é mais gostoso do que se sentir superior sempre, mas sozinho. superior à quê e quem, então, se muitas vezes falta a humildade de enxergar que existe o outro? tenho que concordar com você: quanta arrogância..
mais fácil se relacionar com pedras, porque assim, de fato, você sempre vai estar no comando. não to fazendo apologia aos "relacionamentos sérios", pelo contrário. falo de estar aberto às pessoas, à amizade e ao amor, venha ele como for. não precisa ser "sério" pra ser verdadeiro. por que não mais leve e mais espontâneo? real, e não ideal?
acho que é porque é mais fácil admirar e endeusar aquela pessoa que tá lá, bem longe de você, né? aquela que é impossível de ter, não importa o motivo. o desafio, meu caro, é a beleza de preservar sua capacidade de admirar, amar, mesmo com os defeitos e a convivência. é essa a diferença: pessoas de verdade têm defeitos escancarados, enquanto esses personagens platônicos que você inventa seguem perfeitos e perfeitamente endeusáveis, já que são mascarados pela farsa do campo das idéias purpurinadas, que você tanto gosta. mas dentro disso existe outra diferença que provavelmente escapa a seus olhos: pessoas de verdade, além dos defeitos, também podem ser feitas de amizade, cumplicidade, carinho, amor, verdade. os personagens inatingíveis, por outro lado, têm apenas a imagem. se não falsa, muitas vezes incompleta e mitificada.
tenho sentido uma grande superficialidade nos encontros e relacionamentos atuais. mais uma vez: não digo só dos amorosos, não, não, isso já passou a ser um costume interpessoal. parece que hoje em dia, para se relacionar, as pessoas necessitam sempre de bengalas. uma conversa quase necessariamente está ligada a um copo de cerveja na mão (deixo claro que meu intuito não é usar de moralismo, aprecio muito uma cervejinha gelada. acontece que adquirir o costume de utilizá-la com o principal objetivo de mascarar e moldar o que a gente sente é, no mínimo, inadequado. porque isso é uma forma de fugir da gente mesmo, entende?). como é gostoso conversar pura e simplesmente pelo prazer de trocar idéias, conhecimentos e sentimentos! sem depender de um estado alterado que (pensa-se) só é possível alcançar com algum tipo de substância à parte.
às vezes penso que as pessoas perderam o hábito de se comunicar profundamente e de se abrir umas com as outras. são tantas as distâncias impostas, tantos não me toques e fugas! o medo de se relacionar é tão grande que você precisa ter certeza que está absurdamente apaixonado, e mais: que o que você sente é recíproco, pra falar um simples "hei, eu gosto de você". por que não elogiamos mais as pessoas, conhecidas ou não? não precisa ter certezas pra isso. nem tudo é tão certo quanto exigimos e isso é bonito! é tanta possibilidade de admirar o próximo, encaixotada e reprimida. tantas percepções de sorrisos bonitos, sinceridade, determinação (seja lá o que for que você admira) engolidos e deixados pra lá. por quê? é bom compartilhar! é saudável também.
outra coisa: quando surgiu e de onde veio essa mania de medir as pessoas por tópicos tão fúteis? com medições pelas posses materiais eu infelizmente já estava acostumada, mas agora, talvez pelo meio em que eu me encontre, tenho percebido que o que as pessoas são de verdade em sua totalidade tem sido constantemente substituído pelo que elas sabem intelectualmente. acho que esse é um jeito cult de comparar, julgar, diminuir e se sentir superior às mesmas. acredito que toda forma de julgar seja uma grande perda de tempo e oportunidade de crescer com as diferenças e sabedorias (existentes para todos, de maneiras peculiares) de cada um. uma pena.
e mesmo com tudo isso você segue vivendo no campo das idéias. teoria é admirável também, quem sou eu pra descartá-la? só me preocupa o fato de você se permitir ser guiado apenas por teóricos e seus textos altamente intelectuais, pelas mulheres encantadoras daqueles filmes incrivelmente cultos, enquanto os acontecimentos reais que passeiam, rastejam e gritam por atenção, bem debaixo dos seus olhos, são tão insignificantes e diminuídos, por não se compararem às idéias intocáveis que você alimenta.
não é uma troca que te proponho fazer, meu bem. não tem que ser um ou outro.
é só que tentar completar faz bem.

2 comentários:

  1. Belo modo de se pensar, não foge do meu.
    Texto muito bem feito e escrito, sigo elogiando e parabenizando, já que parabéns não só se ganha quando se faz aniversário..
    parabéns, e espero poder ler outros como esse

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  2. Achei tão significativa e clara essa sua forma de se expressar. Mais uma vez. São tantas as vezes em que concluímos que tudo (ou pelo menos grande parte dessas coisa toda que nos cerca e permeia) se tornaria absolutamente mais fácil se fossemos claros. Deixar que as frases inteligentissimas formadas na cabeça possam sair da boca, mesmo que dando passos meio tronxos. Mas que se mostre real, paupável. De que adianta tantos sonhos que não podem ser vividos? De que adianta tanta perfeição e elocubração? De que adianta não sentir os esbarrões que acontecem sem querer na rua? Os olhos novos e diferentes que podem se cruzar de verdade? Adorei a concretização de todas essas idéias que estavam na sua cabeça. Adorei poder compartilha-las com você. Lê-las e não apenas pensá-las. Te saber e te sentir e não apenas imaginar. Também dou parabéns!! E espero ler muitas outras coisas tão sinceras e bonitas!

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