sábado, 19 de março de 2011

falta de ar

escrevi esse texto às 05:30 da manhã do dia 19/03/2011. ia dividi-lo em parágrafos certinhos, mas decidi deixar assim, porque afinal foi assim que ele nasceu: num momento em que eu tava extremamente angustiada. saiu tudo sem ordem, saiu como um turbilhão de sentimentos não reprimidos pelo que dita a norma culta da língua.


são 5:30 da manhã. acabei de chegar em casa com um aperto no coração, um sufoco angustiado que prende a garganta e não me deixa respirar direito. meu dia tinha sido ótimo até ali: acordei cedo, li meu livro, passeei pela rua com minha mãe, almocei na casa da minha avó, tirei um cochilo da tarde (...) à noite fui pra uma festinha na uff, destinada aos calouros do iacs. saí no meio pra encontrar com outras amigas no saco de são franciso e voltei pra uff em seguida. a festinha acabou e resolvemos ir pra cantareira, uma praça que tem logo ali do lado, cercada de bares, pessoas de todos os tipos, vendedores ambulantes, músicos e dançantes. tava tudo lindo: a lua, a companhia, a música que passeava pelo samba, forró e rock. percebi um movimento estranho de repente. ouvi um barulho diferente. quando olhei pra trás, vi que dois homens estavam brigando há uns três palmos de mim, mas depois de alguns milésimos de segundos sem conseguir me mexer, percebi que só dava pra notar o movimento de um deles. o controle. ele segurava o outro homem pelo pescoço (acho que o nome disso é gravata), sem que ele pudesse respirar. não precisava de muito esforço pra perceber que o cara imobilizado tava com a cabeça toda vermelha. “APAGA ELE, APAGA! PORRA, APAGA ELE!” foi só o que eu consegui ouvir. umas três pessoas foram tentar separar a briga e foram agredidas pelos acompanhantes do agressor em foco. eles não deixavam ninguém intervir. eu continuei imóvel por todo o período da briga, a qual sinceramente não consigo estimar um tempo aproximado. pra mim pareceu uma eternidade, aquilo não acabava nunca e o cara imobilizado agora tava roxo. algumas pessoas começaram a gritar “chega, chega! pelo amor de deus, chega!”. pra mim o cara tava morto. o agressor soltou ele por conta própria, indo contra os dizeres dos que estavam mais próximos. ele tava vivo. em pé. nunca tive essa sensação de testemunhar uma quase morte por motivo que até agora eu desconheço. como isso é louco: vc ta vivo agora e de repente alguém tem o poder de decidir se vc vai ta vivo ou não no segundo seguinte. não conhecia o cara que tinha sido imobilizado, mas passou pela minha cabeça um bilhão de possibilidades de vida que ele podia, simplesmente, perder. pai? marido, filho, amigo? ser humano. ser vivo. por pouco não mais. COMO ASSIM??? pra mim isso é muito difícil de entender, de pensar, de cogitar. quando a briga terminou o agressor simplesmente virou as costas e se pôs a andar, seguido pelos amigos incentivadores da briga. eu continuava imóvel, sem ação ou reação, tremendo. consegui olhar pra todos os lados: pras pessoas assustadas como eu, pro agressor, pro imobilizado, que agora abraçava uma mulher. não para de passar muita coisa na minha cabeça, até agora. e isso não para de crescer e crescer dentro de mim. será que teve um motivo? será que existem motivos que expliquem uma ação dessas? será que tem alguma coisa ligada à necessidade de se sentir no poder, de dominar? insegurança? medo de parecer fraco? fiquei tentando entender só, mesmo que nunca chegue a uma conclusão sensata. será que o cara que foi dominado fez alguma coisa pra receber aquela agressão toda? (não acho que nada justifique isso, mas será? ou será que o cara q agrediu era “louco”? psicopata?). tentei entender o lado dele, do cara, acredito eu, mais odiado por todas as pessoas que tavam ali. fiquei também com muita raiva dele, com nojo... com pena. pode ser muito ingênuo da minha parte, mas sempre acreditei que uma pessoa que chega a fazer coisas assim é muito infeliz. como será que foi a vida dele até hoje? difícil, talvez. talvez não, mas se ele fosse feliz, afinal, por que tanta violência? por que tanta necessidade de se mostrar forte e invencível? será que ele vai dormir se orgulhando disso, ou será que ele chora quando lembra do que fez? será que é indiferente? imagina o que é tirar uma vida com as suas mãos. é muito triste isso tudo. não to tentando defende-lo, mas não consigo simplesmente julga-lo e culpa-lo sem pensar no que tem por trás disso. o que ele tem, o que ele é, e ninguém vê. um tempo depois da confusão terminar um amigo me falou “clara, calma. não vale a pena ficar assim por causa disso, por causa desse tipo de gente. os dois tão bem, tão vivos.” o “por causa desse tipo de gente” não caiu bem pra mim, não gosto dessa expressão, sabe? que tipo de gente? ele é gente e ponto! o fato é que aquela energia boa, tranquila, que se espalhava por nós, de repente ficou pesada de uma maneira inexplicável. como deve ser triste viver nesse peso todo, proporcionar tanto aperto negativo no coração. algumas pessoas até tentaram dançar depois disso, mas não era espontâneo. será que ele vai voltar com uma arma? será, será, será? não sei. sei que me senti inútil e frágil diante daquilo tudo, por não poder e fisicamente não conseguir fazer nada, por ficar imóvel, só observando. como o cara agredido deve ter se sentido? um lixo. pior que isso, acho. e eu simplesmente não consigo tomar uma posição definitiva sobre acontecimentos como esse. não consigo sentir só raiva.
agora são 06:30 da manhã e de alguma forma estou um pouco mais calma. minha cabeça parece vazia. já pensei em ligar todo esse acontecimento aos políticos corruptos, ao déficit da educação no nosso país, à desigualdade social, aos preconceitos (o agressor era negro e aparentemente humilde). todo aquele clichê (não que seja sem propósito) que retorna quando tentamos botar a culpa em alguém ou algo. era isso mesmo que eu tava tentando fazer sem perceber: achar um culpado. mas afinal isso é bem mais difícil do que parece. sem mais tentar defender um ou outro, ou julgar, ou culpar, acho que vou parar por aqui por não ter muito mais o que dizer. mais uma vez não chego a nenhuma conclusão sensacional e esclarecedora, mas acredito que toda tentativa de tentar se autocompreender é válida. como seria mais legal se todos tentassem se observar e entender o que se passa por dentro, antes de tomar uma atitude violenta como essa.

Um comentário:

  1. "eu tava tentando fazer sem perceber: achar um culpado."
    "sem mais tentar defender um ou outro, ou julgar, ou culpar"
    "mais uma vez não chego a nenhuma conclusão sensacional e esclarecedora, mas acredito que toda tentativa de tentar se autocompreender é válida."

    a nossa 'insignificancia' num momento desses ou nossa percepção de 'insignifiancia' do ser humano em geral (quem bate, quem recebe ou quem assiste) nos traz um buraco, um vazio, uma falta de explicação do por que disso ou daquilo e o que se deve pensar ser fazer, o que é certo errado, e sem responder a nada disso só esperamos essa angústia ser preenchida por novas esperanças, alegrias, demonstrações que nos façam pensar: como é bom viver!

    quem é o culpado?
    ou melhor: por que há um culpado?

    ResponderExcluir